Estávamos
andando com pressa por aí, vagando pela noite, na nossa própria velocidade.
Apontei para que você pudesse ver meus prédios preferidos, espalhados naquele
canto estranho da cidade. Você olhava e falava da estrutura, falava do tamanho,
falava de arquitetura. E falava, e falava, e falava...
O frio nos
consumia despercebidamente, até que então você me congela ao dizer que nunca
tem tempo para nada. Como se fosse possível nunca ter tempo pra nada.
“Você tem tempo
para respirar?” Perguntei.
Vi seu olhar
deslizando de um lado para o outro. Seus olhos tinham um brilho confuso
enquanto você mordia o canto da sua boca com uma leveza nervosa.
“Claro que sim” você
respondeu com uma dificuldade estranha. Como se junto das suas palavras
escapasse uma enorme bolha de ar, como se eu fosse o portador da pergunta mais
difícil que alguém um dia te fez. “De fato, eu tenho tempo para respirar”, concluiu
você com determinação, como se você estivesse em um jogo e a sua resposta
tivesse um valor inestimável.
Havia um
nervosismo alternando entre nós, e se estivéssemos amarrados naquele instante,
certamente nossos nós estariam bem apertados.
Fingi não
perceber seja lá o que você estivesse sentindo. Estava mais preocupado com as
sensações que me percorriam, eu só queria parecer normal. Respondi com uma
espécie de tranquilidade:
“Se é assim,
então você não precisa se preocupar com mais nada. Você tem tempo pra fazer o
que te faz viver. Agora relaxa tua mente.”
Então você me
sorri (um sorriso que nem de longe é teu melhor sorriso), e eu concluo como
você se livra de tanta coisa por ‘não ter tempo’. Você se livra de gente. Você
se livra de afeições, de superficialidades, de sensações. Você se livra do
apego pessoal, e se você não sentiu falta disso ainda, parabéns, você não sabe
o quanto de sorte que você tem. Você se livra de se aventurar em algo que vai
te machucar física e mentalmente. Você nunca vai precisar de forças, pois você
simplesmente não tem nada pra te derrubar.
E essa tolice
que eu disse fez com que seus olhos ardessem. Como se eu tivesse contado meu
maior segredo. Como se eu tivesse te mostrado alguma fórmula secreta que
solucionasse todos os seus problemas. Mas ainda tinha uma coisa que eu podia
falar, e falei:
“Vive a tua vida
no ritmo da tua respiração. Se for muito lenta, tu vai sentir sufocar. Se for
muito rápida tu vai sentir como se te faltasse ar.”
Mas foi só uma
tolice, palavras tolas. E eu sentia que teus olhos estavam colados em mim. A
única forma de tudo ficar pior era alguém chegar e tocar uma daquelas músicas
tristes, daquelas que só servem para caluniar cada vestígio de sensatez que
ainda vaga sem rumo nas nossas mentes de vez em quando.
Eu ainda tinha
muito pra dizer naquela noite, um 'muito' que eu não disse durante várias
outras noites que se passaram ou se seguiram. Um 'muito' que talvez
justificasse para mim o fervor quase voluptuoso dos teus olhos. Mas me faltou
cretinice. Sobrou caretice. Faltou escrotice.
(Você respirar,
lenta ou rapidamente, me faz bem.)
Faltou
atrevimento. Faltou coragem. Faltou cretinice.
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